A TEMPESTADE VEM POR DENTRO
Prefácio - Romulo Narducci (poeta e escritor)
A tempestade vem por dentro é um livro no qual a profundidade da poesia vai além do que possamos entender da dimensão quântica, no jogo do que é literalmente profundo. A cada página vai cavando rumo ao interior, nos fazendo lembrar de que todos nós temos em nossos âmagos essa reviravolta de ser, de compreender o mundo ao redor, e de encarar as nossas tormentas que se formam como impulsos contidos que vão se acumulando até eclodirem em trovões que brincam e escarnecem com o limiar de nossa sanidade. Dividida em três partes, essa obra intensa e rascante, consegue deslindar suavemente nas formas e na construção dos versos, que é o estilo do próprio poeta - pupilo fiel de suas influências mundanas e boêmias. Hudson Pereira nos desafia a enxergar esse vórtice que nos cerca, num tempo medonho, que jamais imaginaríamos vivenciar. A sua poesia nos pega suavemente pelo rosto, com um afago quase maternal, e nos obriga a encarar a verdade feroz dentro do olho do furacão. E assim fazemos, pois não se duvida de quem escreve com a propriedade de quem sente na carne e na alma o peso dos dias, e se embriaga da dor alheia, sentindo em si mesmo a ressaca pungente do sofrimento, vertendo-o em pura e densa poesia. A partir de agora, a tempestade já se forma dentro de cada um de nós. Cabe agora, cedermos.
O berro (in)contido de Hudson Pereira - Jordão Pablo de Pão
A personalidade do artista contemporâneo sempre me chamou muito a atenção. Normalmente coerente com sua atitude, a literatura verseja em palavras suas intenções. Esse é o caso do fantástico Hudson Pereira. Após ler seu “Café Expresso e Outros Poemas”, obra em que coloca numa cápsula toda sua energia de ser humano inconformado-desajustado-inovador, sentiu-se o leitor muito próximo de um tom confessional, de certa forma melancólico e represado. Pura impressão. Aqui as comportas se abrem e a máxima está exposta em vermelho na quarta-capa: “a arte é uma arma”.
Falemos, pois, de “a tempestade vem por dentro”, lançado em 2020 pela Dowslley Editora. Não sem antes encher a taça de vinho tinto de moça, como gosto. Enquanto conceito, a obra em preto e branco conversa com o artista de voz embargada (não se sabe se pelo que não deve ser dito ou se pelo choro melancólico de quem sabe o valor do que foi feito). Os poemas guardam em si forças iniciais de revoluções do indivíduo em um tempo tão em decifração quanto em decantação. “o estranho dever / de ter o rosto dilacerado / e sobreviver” (“estar vivo, que atrevimento”, p.42). As verdades se sucedem em uma nota acima: dó maior de nós, sol aberto demais para entender o que se vê.
Não espere, em Hudson, amenidades. Aqui o grito preso na garganta já é dizer e o leitor quase coloca a mão pela boca para desobstruir. O mundo contemporâneo - mais agudo, o nosso país não é para os que apenas pensam: é para os que pensam e expressam através de suas ferramentas a revolta pelo desmonte. São muitos os gatilhos de construção: de proposições dúbias como “não tenho direito / de ser poeta / em meio a / tamanho / desespero” (“por respeito, o silêncio”, p.22), remontando ao Dadaísmo do início do XX, até os convulsionismos de uma poética mais madura como “feito fóssil jaz um feto / os restos mortais da liberdade” (“feito fóssil”, p.29). Os poemas trincam os dentes, sempre.
Embora o leitor que ora escreve tenha suas predileções de forma, com uma divisão poética diversa, atento para uma economia vocabular, na maior parte dos poemas, por contenção do dito, o que fortifica a mensagem. O livro persuade com a capa de Fel Barros e utiliza a palavra como exploração da intenção de dizer, uma tempestade que se forma com os versos, imagem à imagem. Trata-se de uma arte pronta à adesão, à formação do grupo a partir do processo emocional de cada pessoa. As nuvens se reconhecem e a eletricidade se faz. O barulho está feito. O tortuoso estado de ser em conjunto está tinindo. Com luta e resistência. Afinal, “eles contaminam nossa água, / mas não minam nossa coragem” (“os dias se tornam mais árduos com o passar dos anos”, p.41).
Resta dizer: não se consegue sair dessa leitura desavermelhado. O trabalho de dizer do autor com um belo resultado de editoração abre fenda na existência: é, pois, poética de quem não está submerso, mas interpreta e coloca nos muros o que tem de ser dito. Hudson Pereira assume o discurso da transgressão como bom discípulo de nossa literatura libertária. É gigante. Recomendo que experimente o livro com bebida embriagante e sem desculpas de amanhãs. Entregue-se - e sairá novo. Ah… E toque um “mambo bem caliente” a la Heleninha Roitman. “a tempestade vem por dentro” merece.
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Escrito em 12.08.2021.
Email de Ricardo Alfaya:
“O aspecto que
mais me chamou a atenção na obra foi o quanto sua poesia contém de força e
impacto, mas, ao mesmo tempo, numa forma de requintada leveza. E o mais
interessante ainda, o registro de um certo desconforto, beirando o horror, pela
consciência de ter conseguido extrair beleza desta imensa feiura e sofrimento
que são a marca destes estranhos tempos pandêmicos. Notei, também, um certo
espírito de premonição apocalíptica, concretizado, mais acentuadamente, na
metafórica imagem do fogo (por sinal, nem tão metafórica assim, veja-se o que
sucede hoje, concretamente, na Amazônia). E, sim, esse fogo atingirá a todos,
inclusive, ao promotores desse incêndio insano, em que todos fomos lançados.
Por outro lado, sua poesia sugere que a pandemia ainda não é o fim, mas uma
espécie de último, doloroso e espetacular aviso (divino?). Porém, não apenas de
dor, luta e luto é feito o seu livro. Temos também os elementos positivos, os
instrumentos de salvaguarda: a meditação sobre a pedra, a reflexão sobre a arte
como arma de resistência e revelação, a constatação da força que existe no
teimar em existir - apesar de tudo. Portanto, deixo meus cumprimentos pelo
valoroso trabalho, ilustrado por essa magnífica rosa cubista, do Fel Barros,
que, ao mesmo tempo em que lembra uma pedra, movimenta sua raiz para o fundo
escuro da terra, na luta pela nutrição e sobrevivência. Simultaneamente,
no outro extremo, ergue sua pétala esquerda para o céu, como uma torre ou uma
antena em busca de luz e transcendência. Boa metáfora para sua própria poesia.”
publicado na orelha do livro "Café expresso e outros poemas"
Café - Jordão Pablo de Pão (escritor e produtor cultural)
publicado originalmente no site do autor
Quando a gente briga com a gente mesmo toda tentativa de
poema parece arremedo.
Só que não tem reza ou remédio que possa dar jeito na aflição de nos tornarmos
o que somos.
Tem salmoura. Um bom livro de poemas é salmoura e às vezes cafuné de Deus - só
não alivia dor de dente.
Hoje meus cabelos foram completamente emaranhados pelos dedos de Deus, digo,
pelos dedos do poeta e amigo querido Hudson Pereira.
Demorei para ler seu primeiro livro "Café expresso e outros poemas"
(Ed. Dowslley) porque sabia que me comoveria enormemente. Não só me comovi ao
longo das 59 páginas como senti enorme orgulho da maturidade dos seus versos.
É difícil encontrar um poeta estreante que não peque pelo excesso de rimas
fáceis ou uma certa verborragia: os poemas de Hudson Pereira são concisos,
líricos, bem arrematados e, claro, sensíveis.
Um belíssimo livro de estreia, um livro que merece ser lido; um de livro de
poemas de verdade e não de frases de efeito que se escreve em guardanapos.
Além dos poemas, as escolhas acertadíssimas para as epígrafes, as citações, a
diagramação e identidade visual, tudo de uma coesão e beleza que faz a gente
relembrar os ensinamentos de Gullar de que "a arte existe porque a
vida não basta".
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