quinta-feira, 12 de julho de 2012

Papo de Escritor #2 O escritor fantasma

Como qualquer homem, é feito de carne, osso e medos. Mas não como todos, é um escritor. No momento, um escritor fantasma. Não, não um ghostwriter desses que escrevem best-sellers sob encomenda. Ao contrário, nada ganha com sua obra e seu trabalho, medíocre, nada tem a ver com literatura.

Ultimamente escreve em hiato, mas já foi bem dedicado; escreveu uns poucos bons poemas e vários outros ruins, todos sinceros. Encara a xícara de café morno e se pergunta onde foi que algo morreu. Onde morreu a inspiração, onde morreu a disposição, onde morreu a ambição de escrever sobre tudo o que acontece no intervalo entre um fôlego e outro.

Encara também a velha máquina de escrever. Ele é um homem de seu tempo e conhece notebooks, iphones e wi-fis. Escreve à maquina apenas por fetiche. Lembra do barulho das teclas, o seu favorito, que lembra o barulho da chuva.

“O vazio me ameaça.” escreve. “ameaça”, “a-me-a-ça”. Essa palavra que o persegue a semana inteira e que vazio é esse? Essa sensação de tudo estar oco. Como pode o vazio ameaçá-lo, se ele próprio é o vazio? Ele, que há tempos deixou de ter alguma consistência, alguma substância. Ele que perdeu o tato, o paladar. Suspeita inclusive que corra álcool em suas veias. A poesia que um dia transbordava, pulou fora dali. O vazio que tanto o ameaça é essa falta, ele não estava preparado para isso.


Às vezes, não muito raramente, pensa em pôr fim à carreira e quando isso acontece, bebe. Também bebe para molhar a garganta, desértica, infértil pela escassez das palavras. É um fantasma, mesmo sendo feito de matéria, mesmo tendo ar nos pulmões. É um fantasma porque não escreve.

Hudson Pereira


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