Como qualquer homem, é feito de carne, osso e medos. Mas não
como todos, é um escritor. No momento, um escritor fantasma. Não, não um
ghostwriter desses que escrevem best-sellers sob encomenda. Ao contrário, nada
ganha com sua obra e seu trabalho, medíocre, nada tem a ver com literatura.
Ultimamente escreve em hiato, mas já foi bem dedicado;
escreveu uns poucos bons poemas e vários outros ruins, todos sinceros. Encara a
xícara de café morno e se pergunta onde foi que algo morreu. Onde morreu a
inspiração, onde morreu a disposição, onde morreu a ambição de escrever sobre
tudo o que acontece no intervalo entre um fôlego e outro.
Encara também a velha máquina de escrever. Ele é um homem de
seu tempo e conhece notebooks, iphones e wi-fis. Escreve à maquina apenas por
fetiche. Lembra do barulho das teclas, o seu favorito, que lembra o barulho da
chuva.
“O vazio me ameaça.” escreve. “ameaça”, “a-me-a-ça”. Essa
palavra que o persegue a semana inteira e que vazio é esse? Essa sensação de
tudo estar oco. Como pode o vazio ameaçá-lo, se ele próprio é o vazio? Ele, que
há tempos deixou de ter alguma consistência, alguma substância. Ele que perdeu
o tato, o paladar. Suspeita inclusive que corra álcool em suas veias. A poesia
que um dia transbordava, pulou fora dali. O vazio que tanto o ameaça é essa
falta, ele não estava preparado para isso.
Às vezes, não muito raramente, pensa em pôr fim à carreira e
quando isso acontece, bebe. Também bebe para molhar a garganta, desértica,
infértil pela escassez das palavras. É um fantasma, mesmo sendo feito de
matéria, mesmo tendo ar nos pulmões. É um fantasma porque não escreve.
Hudson Pereira
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